Metaverso, ciência e sociedade: o que esperar daqui pra frente?

Você provavelmente já ouviu falar sobre a tecnologia do Metaverso e, certamente, tem muitas dúvidas sobre o seu funcionamento e como ela impactará a nossa realidade no futuro. Neste texto, vamos descobrir o quão perto (ou quão longe) estamos de dissolver a interface entre mundo offline e online e como tudo isso pode mudar a forma como fazemos ciência e Medicina.

 

Sumário

  • A proposta do Metaverso
  • So close, yet so far
  • Ciência e Medicina
  • Conclusão

 

A proposta do Metaverso

Você provavelmente já ouviu falar sobre a tecnologia do Metaverso e, certamente, tem muitas dúvidas sobre o seu funcionamento e como ela impactará a nossa realidade no futuro. Segundo Eric Ravenscraft, colunista da Wired, estamos vivendo um déjà vu na história da tecnologia em relação aos anos 1970, quando a Internet começava a ser desenvolvida. Naquele momento, a sociedade presenciou o surgimento e a construção da rede de computadores, mas não éramos capazes de precisar exatamente todas as suas funções e muito menos imaginar o impacto social que ela seria capaz de gerar. Meio século depois do surgimento da internet, nos deparamos com aquela que promete ser “The Next Big Thing” em relação ao mundo digital.

Do mesmo modo que a definição da Internet em seu surgimento não era muito clara, é difícil encontrar um conceito único que seja abrangente em relação a todas as possibilidades “metaversais” atualmente. Ravenscraft o define como um conjunto de tecnologias voltadas para uma experiência imersiva de realidade virtual combinada com realidade aumentada, em que as interações do mundo real e do mundo virtual sejam pouco distinguíveis. No Metaverso, a experiência de comprar algo online não seria restrita a um site, mas contemplaria ir a um espaço virtual que se assemelha a uma loja física, experimentar as peças de roupa, modificar as cores para uma paleta que fique melhor adaptado ao seu avatar e pagar com dinheiro virtual. Tudo isso, com um nível de detalhamento e sensorização que permitisse uma experiência realmente imersiva.

Além disso, segundo o desenvolvedor de um sistema de machine learning para o Metaverso, Sin-nosuke Suzuki, essa tecnologia seria o resultado máximo da integração da sociedade 5.0, aquela em que os problemas do dia-a-dia são endereçados e resolvidos pela Internet das Coisas e colaboração mútua, sem limitações geográficas.Contudo, assim como a Internet em 1970, não sabemos exatamente o que o Metaverso será, até que ele seja. O que nos traz para um dos principais desafios acerca dessa ideia: a dificuldade de concretizá-la.

 

So close, yet so far  

Observamos atualmente todos os esforços, movimentos de fusões empresariais e compra de startups (M&A - Mergers and Acquisitions) e redirecionamento estratégico que as Big Techs (Apple, Meta - antigo Facebook -, Google e Microsoft) estão orquestrando para construir não só a tecnologia do Metaverso em si, mas também o ecossistema necessário para fazê-lo funcionar em larga escala. Isso porque, apesar de todo o marketing envolto na ideia de fazer literalmente quase tudo pela Internet, trazer isso do mundo das ideias para o mundo real exige um poder computacional que ainda não está disponível nas lojas de informática do varejo. Segundo o vice-presidente da Intel, em editorial publicado no site da empresa, para que o Metaverso realize o que se propõe na escala de democratização que a Internet se encontra hoje, com bilhões de usuários simultâneos em uma experiência verdadeiramente imersiva, seria necessário pelo menos mil vezes mais eficiência computacional do que temos disponível atualmente.

Se, por um lado, essa parece uma perspectiva muito distante de ser alcançada no curto prazo, já vimos algo similar acontecer antes. Em 2001, quando Steve Jobs lançou o primeiro iPod, o produto tinha o slogan “1000 músicas no seu bolso”, quando a capacidade máxima de armazenamento de arquivos na época era de até 20 músicas em um CD-R, com algumas centenas de megabytes. Quando pensamos nos dias atuais, um smartphone com memória de armazenamento de vinte gigabytes já pode ser insuficiente para grande parte das necessidades da vida moderna. Obviamente, esses saltos tecnológicos não são exclusivamente produto do esforço de indivíduos específicos, mas sim da combinação de um ecossistema favorável a esse desenvolvimento, financiamento público e privado e um direcionamento para tornar essas tecnologias responsivas às necessidades de mercado. Todos esses pontos são contemplados na construção do Metaverso.

 

Aos curiosos, um vídeo do lançamento do primeiro iPod, em 2001

 

Figura 1: Steve Jobs no evento de apresentação do iPod

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Fonte: Supernovo.net

#ParaCegoVer: A imagem apresenta Steve Jobs (homem caucasiano, grisalho e calvo) com o dispositivo iPod em sua mão esquerda, próximo ao rosto. 

Novamente fazendo um paralelo com a época do surgimento da Internet, o Metaverso tem ainda um ponto relevante a ser analisado: ele é uma enorme aposta de mercado, o que envolve anúncios exuberantes e otimistas sobre as capacidades deste serviço. No evento de anúncio do Metaverso, por exemplo, é exibido um corte em que uma mulher está checando o seu feed no Instagram, vê uma postagem de sua amiga em show, e consegue, em um clique, estar presente holograficamente no evento, fazer contato visual com a amiga, assistir ao show e conversar simultaneamente. Muito do que está sendo anunciado tanto neste trecho do vídeo como em outros canais de comunicação da Meta está muito além da atual experiência oferecida pelo produto e que não sabemos, sequer, se um dia será possível de ser concretizada.  

Figura 2: Figura do vídeo “Entretenimento no Metaverso”

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Fonte: Canal do Youtube da Meta (Link)

#ParaCegoVer: Screenshot do trecho do vídeo promocional da Meta em que uma mulher consegue estar presente em um show ao vivo por meio de um holograma. 

 

Ciência, Arte e Medicina

Apesar do Metaverso ainda estar engatinhando frente ao seu potencial de interatividade e imersão, muito já pode ser realizado com as tecnologias de realidade aumentada, de inteligência artificial e de realidade virtual na plataforma. O artigo “Virtual Experiments in Metaverse and their applications to Collaborative Projects: The Framework and its significance” publicado na Procedia, periódico sobre ciências da computação, introduziu algumas informações sobre o que pode ser aproveitado para a produção científica através do Metaverso. Uma das principais ferramentas que podem ser utilizadas nesse sentido é a digitalização de dados para um ambiente de realidade virtual.

A digitalização de estruturas é realizada a partir de um processo de renderização que transforma arquivos codificados, os chamados “Prims” ou “Primitives” em Second Life Virtual Objects (SL). Os Prims carregam informações de posição, tamanho, rotação, cor, textura, brilho e formato que permitem a sua reprodução tridimensional no espaço do Metaverso. Em termos de produção científica, essa pode ser uma ferramenta que venha revolucionar a visualização de dados e observação de tendências, uma vez que as tabelas e gráficos, antes representadas bidimensionalmente, poderão ser visualizadas tridimensionalmente e de forma interativa.

 

Figura 3: Representação de uma regressão em ambiente de realidade aumentada

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Fonte:  Medium

#ParaCegoVer: Protótipo de Regressão Linear com três variáveis em ambiente de realidade virtual. A representação inclui pontos dispersos em uma tela cinza tridimensional.

 

  Ao citar o poder da tecnologia de realidade aumentada para a visualização de estruturas tridimensionais na análise de dados, é possível imaginar a variedade de possibilidades que podem ser geradas também para as artes. Os trabalhos artísticos que têm o objetivo de representar estruturas tridimensionais geralmente utilizam dois tipos de recurso: representações bidimensionais com de ilusão de ótica ou esculturas que precisam, felizmente, seguir as leis físicas do mundo real. Aos artistas, o Metaverso reserva a possibilidade de criação tridimensional completamente livre, em que, nas palavras do cartunista Roz Chast no vídeo “Tilt Brush Artist in Residence”, “você não precisa criar ilusões para que um objeto seja tridimensional, você o constrói dessa forma”. Esta é uma forma completamente diferente de pensar expressões artísticas.

 

Figura 4. Artista utilizando a ferramenta Tilt Brush do Google para construir uma pintura tridimensional

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Fonte: EventCombo

#ParaCegoVer: A imagem mostra uma mulher com óculos de realidade aumentada e ferramentas de desenho tridimensional em ambiente físico.

 

Para muito além da visualização de dados e das artes, as tecnologias do Metaverso já estão sendo utilizadas na área médica, especialmente por meio da utilização dos recursos da realidade aumentada. Neurocirurgiões do Johns Hopkins Hospital, nos Estados Unidos, já utilizaram modelos de realidade aumentada para obter imagens mais nítidas para a ressecção de tumores em pacientes vivos. Os dados obtidos a partir das imagens de tomografia computadorizada serviram como “prims” para a construção de uma imagem tridimensional que ajudou a localizar as lesões e diminuir danos em tecidos adjacentes.

 

Figura 5: Neurocirurgião do Johns Hopkins Hospital utilizando realidade aumentada em cirurgia.

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Fonte: Forbes (Link)

#ParaCegoVer: Médico neurocirugião de pijama cirúgico,  utilizando óculos e controle de realidade aumentada para estudar um procedimento em um paciente com câncer cerebral. 

 

 Conclusão

O Metaverso parece ser, a esta altura, uma realidade inevitável. A tendência é que as fronteiras entre o real, o real aumentado e o virtual se tornem cada vez mais tênues. À medida que as demandas da sociedade atual, sedenta por mais integração com o digital, se tornam cada vez mais dependentes da Internet das Coisas e de seus recursos adjacentes, mais impactante será o desenvolvimento das tecnologias “metaversais”.  Apesar de todo o marketing, interesse mercadológico envolvido e das promessas que hoje parecem impossíveis de serem cumpridas, talvez realmente estejamos presenciando um momento de ponto de inflexão da história da humanidade.

 

Referências:

Ravenscraft, E. (2021, November 25). What is the metaverse, exactly? Wired. Retrieved April 20, 2022, from https://www.wired.com/story/what-is-the-metaverse/ 

Suzuki, S., Kanematsu, H., Barry, D. M., Ogawa, N., Yajima, K., Nakahira, K. T., Shirai, T., Kawaguchi, M., Kobayashi, T., & Yoshitake, M. (2020). Virtual Experiments in Metaverse and their Applications to Collaborative Projects: The framework and its significance. In Procedia Computer Science (Vol. 176, pp. 2125–2132). Elsevier BV. https://doi.org/10.1016/j.procs.2020.09.249

Woods, B. The first metaverse experiments? look to what's already happening in medicine. CNBC. 2021. from https://www.cnbc.com/2021/12/04/the-first-metaverse-experiments-look-to-whats-happening-in-medicine.html 

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