Saúde e Economia: estudos de avaliação econômica em saúde

Os estudos de avaliação econômica em saúde são as ferramentas que ajudam a nortear a tomada de decisão dos gestores e podem ser úteis na recomendação clínica de tratamentos, a partir da comparação entre seus valores e benefícios. A metodologia de custo-efetividade serve para associar os gastos e os prováveis resultados em uma medida objetiva, porém, deve ser usada com cautela.
 

Vamos supor que você é um gestor de saúde da sua região e quer adotar a medida mais eficiente de resolver um grande problema: altas taxas de mortalidade por doenças coronarianas em pacientes idosos. 

Em suas mãos há diversas opções, dentre as quais há uma dúvida entre escolher uma intervenção medicamentosa de baixo custo e aceitável efetividade ou um programa multiprofissional, mais caro, mas que possui evidências de trazer grandes benefícios aos pacientes.

O uso de recursos na saúde, assim como em qualquer outra área, precisa ser guiado no balanço entre benefícios prováveis do que está sendo implementado e os custos associados a isso.

Para tomar a melhor escolha diante dessa situação, será necessário conhecer a fundo as opções e avaliar os pontos positivos e negativos de cada uma. O critério de escolha poderia ser por sorteio, afinidade ou uma iluminação em sonho. Porém, querendo seguir as melhores evidências disponíveis para respaldar sua decisão, o padrão ouro seriam os estudos de avaliação econômica em saúde.

Há diversas metodologias para cada alcançar o propósito de cada tipo dessas análises. Para adentrar nessa área, podemos separar alguns tópicos principais:
 

Medição dos Custos

Dois elementos principais para entendimento dos valores despendidos nessa comparação são os chamados custos da doença e da intervenção:

  1. Custos da doença: 
    Estes custos podem ser diretos — associados a testes diagnósticos, hospitalizações e medicamentos —, indiretos — como pela perda de produtividade quando os indivíduos não podem trabalhar ou vêm a óbito precocemente pela doença — e custos imateriais — como o desgaste psicológico próprio e familiar, causados pela condição.

     
  2. Custos da intervenção:

Valores relativos aos custos diretos da intervenção, da contratação de profissionais para sua execução e do ambiente necessário para tal. Também podem ser considerados os valores indiretos de perda de produtividade pelo tempo gasto nessa intervenção (p. ex. sessões de hemodiálise que duram mais de 2 horas) e aos seus impactos negativos — materiais e imateriais —, principalmente aos indivíduos os quais a recebem.

Essas análises podem ser feitas de forma isolada, como um artigo apenas sobre os custos associados a uma determinada condição, ou serem utilizadas na composição de outros estudos mais amplos, descritos logo em breve.

Medição da efetividade

A efetividade de um programa, política pública ou medicamento pode ser medida por diversos tipos de análise. Os principais tipos de metodologia utilizados para avaliações econômicas em saúde se baseiam em estudos de revisão sistemática, por seu caráter de síntese, ensaios clínicos estudos ecológicos (com base em um coletivo de indivíduos).

Por meio desses estudos podemos obter dados como a redução de mortalidade (p. ex. redução de mortalidade em 20% devido a um programa de vacinação), diminuição do tempo de internamento hospitalar (p. ex. queda de 5 para 3 dias de internamento por conta de uma terapêutica mais eficiente) ou mesmo aumento da sobrevida com qualidade de vida (p. ex. expectativa de vida incrementada em 5 anos por um novo tratamento para neoplasias).

Quando conseguimos descrever com clareza suficiente os valores de efetividade de uma intervenção a ser avaliada, podemos comparar a utilidade de implementá-la na realidade e, enfim, produzir os chamados estudos de custo-efetividade e seus semelhantes.


Estudos de custo efetividade, utilidade e benefício

O objetivo destes tipos de estudo é claro: comparar a melhora ou ganho em desfechos de saúde (mortalidade, hospitalizações, etc.) com os valores monetários necessários para sua obtenção. Para isso, eles se valem de análises de custo da doença e custo da intervenção associados à efetividade da intervenção avaliada. 

Também é necessário estabelecer um tempo de análise (conhecido como horizonte de análise) no qual serão estipulados os custos e a manutenção da efetividade das intervenções. Nesse processo, são usados modelos matemáticos, como o de Markov, e há uma “previsão” de como essa intervenção se comportará nos próximos meses, anos ou décadas. Essa estimativa também se aplica aos custos, com seus devidos ajustes monetários. Desta forma, se compõe um conjunto de elementos analisados pelos estudos de avaliação econômica em saúde.

Como foi comentado, existem três principais tipos de análises com essa proposta:

 

  • Custo-efetividade (CE)

Proposta de associação entre os valores despendidos para redução de um desfecho negativo em saúde, comparando uma intervenção a outra ou uma intervenção à nulidade (não fazer nada). Expresso normalmente pela razão de custo efetividade, exposta na imagem abaixo.

image.png

#pracegover: Imagem com fundo branco ilustrando o cálculo da razão de custo efetividade, obtida pela divisão entre o valor líquido da intervenção (subtração entre os custos da intervenção e os custos da doença) e as mudanças em desfechos de saúde (subtração entre os desfechos com intervenção pelos desfechos sem intervenção).

Utilizando um exemplo simplificado de um estudo fictício que avalia uma vacina nova (X) para hepatite comparada com uma anterior (Y):

  • A vacina padrão Y custa R$50,00 e tem uma efetividade demonstrada de 65% na redução da mortalidade.
  • A vacina X, custa R$120,00 e apresentou uma redução de mortalidade de 75%, comparada ao placebo.

Utilizando a análise de CE, podemos calcular um gasto de R$70,00 (120 - 50) para redução de 10% de mortalidade (75 - 65). Assim, há uma razão de custo efetividade que indica R$7,00 / 1% de mortalidade evitada.

 

  • Custo-utilidade

O conceito de custo-utilidade se confunde com o de custo-efetividade, rotineiramente sendo descrito como um subtipo deste último. Assim, pode-se dizer que sua diferença principal é medir os desfechos apenas com o uso de QALY (quality-adjusted life-years), termo em inglês para anos de vida ajustados para qualidade. 

O valor de 1 QALY equivale a um ano de vida com qualidade referida de 100% ou, por exemplo, 4 anos com uma qualidade de vida de cerca de 25%. É comum também a descrição por DALY (anos de vida perdidos ajustados por incapacidade) e outras unidades semelhantes. O ponto em comum entre estes valores é a capacidade de sumarizar os achados e trazer algo mais comparável e palpável nos resultados.
 

  • Custo-benefício

Esta análise tem como ponto chave a transformação dos desfechos de saúde em valores monetários, utilizando medidas baseadas na “disposição a pagar”. 

  • Seu cálculo é uma subtração simples: valor líquido da intervenção - valor transformado dos desfechos em saúde.

O conceito é um pouco estranho à primeira vista, mas mede o quanto a “sociedade” estaria disposta a pagar para redução de um sintoma, para melhora da qualidade de vida ou mesmo para se evitar uma morte. 

Assim, tendo o modelo geral de que existe a disposição de se gastar US$50.000,00 para o ganho de um ano com qualidade de vida, podemos transpor esses valores para um valor único. 

Exemplificando: Se existe uma intervenção que proporciona um ganho de 0,5 QALY com o gasto de US$30.000,00. Podemos dizer que há um valor de custo-benefício igual a US$5.000,00 (30.000,00 - 0,5 x 50.000,00); isto considerando o valor de 1 QALY como 50K dólares.

Esses valores mudam entre cada localidade, sendo que no Brasil a estimativa é em torno de R$ 30.000,00. Essas diferenças são um dos fatores que tornam a medida controversa e criticada caso seja o único formato de descrição dos resultados.

 

Criticidade sempre

Já que os dados utilizados em estudos de custo-efetividade e semelhantes são baseados no contexto presente e se propõem a predizer como os preços e a efetividade se comportarão no futuro, há um grande elemento de “incerteza” nos seus resultados. Este fator é ainda mais evidente, e perigoso, conforme as extrapolações são aumentadas.

Se tomarmos como exemplo um estudo A, que tem como base um ensaio clínico de 10 meses de duração com 60 participantes, e que visa estabelecer uma análise para os próximos 10 anos, é bem provável que seus dados tenham vieses e erros que o torne menos confiável que um estudo B que se propõe ao mesmo objetivo e traz como dados de base uma coorte com a participação de 3000 indivíduos acompanhados durante 2 anos. 

Existem métodos úteis para avaliar esse problema e medir seu impacto, sendo os principais a chamada análise de sensibilidade — usada para indicar o grau de incerteza das conclusões do estudo —  e o bootstrapping — muito usado para avaliar a distribuição dos parâmetros estimados. Apesar de não resolverem o problema, essas ferramentas nos guiam na interpretação de como e, principalmente, do quanto devemos confiar e levar em consideração os resultados destes estudos nas decisões em que são necessários.

Em síntese, a avaliação econômica em saúde é uma ferramenta ótima para verificar, comparar e propor intervenções que são aplicadas desde a esfera pública aos consultórios. Porém, não podemos esquecer de que ela é “apenas” um instrumento para contribuir com nossa análise crítica, que deve levar em consideração diversos outros fatores e ser aplicada dentro de um contexto. As evidências servem para guiar nossas condutas, mas não devemos seguí-las cegamente sem antes refletirmos sobre sua aplicabilidade prática.

Sumário de informações importantes:

Custos da Intervenção & Custos da Doença
Medição monetária somatória dos recursos necessários para aplicar uma intervenção ou gastos causados por uma condição, em um intervalo de tempo analisado.

Análise de Custo-efetividade (e utilidade):
Medida comparativa entre o custo da intervenção subtraído dos custos da doença comparado aos desfechos melhorados com esse valor. Medido em custo por desfechos evitados ou QALY's.

Análise de Custo-benefício:
Comparação através da subtração do custo da intervenção pelo gasto prevenido por esta mesma intervenção, guiado por valor estabelecido a priori. Medido em unidades monetárias.



Referências:

WORLD HEALTH ORGANIZATION; ROB; ADAM, Taghreed; et alMaking choices in health : WHO guide to cost-effectiveness analysis / edited by T. Tan-Torres Edejer ... [et al]. [s.l.]: World Health Organization, 2003.

CDC ; OFFICE OF THE ASSOCIATE DIRECTOR FOR POLICY AND STRATEGY. Introduction to Economic Evaluation in Public Health. Train.org. Disponível em: <https://www.train.org/cdctrain/course/1079247/details?activeTab=reviews>. Acesso em: 9 abr. 2023.

MORAZ, Gabriele; GARCEZ, Anderson da Silva; ASSIS, Eliseu Miranda de; et al. Estudos de custo-efetividade em saúde no Brasil: uma revisão sistemática. Ciência & Saúde Coletiva, v. 20, n. 10, p. 3211–3229, 2015. Disponível em: <https://www.scielo.br/j/csc/a/rddxHPsXZ73TBNjPn4D3c7k/?lang=pt#>. Acesso em: 2 dez. 2021.

MINISTÉRIO DA SAÚDE. Diretrizes metodológicas: Diretriz de Avaliação Econômica. [s.l.: s.n.], 2014. Disponível em: <https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/diretrizes_metodologicas_diretriz_avaliacao_economica.pdf>.

 

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