Artigos Fantásticos e Onde Habitam: Introdução à pesquisa em bancos de publicação

“Com milhões de publicações disponibilizadas todos os anos, os bancos de publicação são tão importantes, quanto desafiadores aos profissionais de saúde. Quais estratégias podemos usar para encontrar os artigos mais relevantes às nossas questões clínicas?

Desde muito cedo, imprime-se ao estudante de medicina a premência do paradigma da Medicina Baseada em Evidências, MBE, para a clínica moderna. De fato, é inaceitável que, em um mundo tão conectado, o estudante de medicina se recuse a se basear em evidências médicas que nunca foram tão acessíveis.

 O problema é que essas evidências parecem ser acessíveis demais: milhões de artigos são indexados por bancos de publicação como o Pubmed e, muitas vezes, pesquisar o problema clínico em questão nos fornece milhares de publicações como resultado, ou pior, nos apresenta artigos que têm pouca relevância para nossa pesquisa.

 

Como podemos utilizar os indexadores a nosso favor para encontrar apenas os artigos mais relevantes?

 

Estrutura da Pesquisa

 Atualmente existem diversos bancos de publicação e cada um deles tem suas peculiaridades e formas de pesquisar. No entanto, alguns princípios são comuns, como os operadores booleanos, filtros, busca por palavras-chave e sufixos ou prefixos. 

Sempre que começamos uma busca na literatura, partimos de um escopo geral ao específico, adicionando termos de forma a reduzir a quantidade de artigos selecionados e, consequentemente, encontrar publicações cada vez mais específicas aos nossos casos clínicos. 

 

Figura 01: Funil de etapas do refinamento de pesquisa

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#PraCegoVer: um funil com as etapas do refinamento de pesquisa, a pergunta PICO, Keywords específicas, Operadores Booleanos, Filtros de Pesquisa e Análise de Abstrato diminuem os resultados do banco de publicações, nos originando a seleção final de artigos pertinentes à pergunta clínica.

 

Formatando a pergunta

 Considere o seguinte caso clínico: Vânia, idosa 72 anos, com histórico anterior de AVC e insuficiência cardíaca crônica (IC), é internada no Hospital Professor Edgard Santos após outro acesso de AVC isquêmico associado a fibrilação atrial. Além de tratamento usual para IC e AVC, é necessário evitar a fibrilação e subsequente tromboembolismo que aumentam risco de outros acidentes vasculares. 

 Sob essa ótica, para terapêutica anticoagulante, devemos optar por Aspirina ou Varfarina?

 Não é incomum que para perguntas diretas como essa já existam guidelines e recomendações. Nesse sentido, um primeiro passo que pode nos poupar tempo é checar o UptoDate acerca do assunto. Como um serviço de atualização médica, o UptoDate reúne novas evidências e aponta as melhores condutas, além de listar referências acerca do tópico que podemos utilizar como base para subsequente pesquisa. 

 Não obstante, nem sempre encontraremos recomendações de conduta e, mesmo que encontremos, é importante realizar uma busca independente por evidências novas e até mesmo contraditórias às recomendações anteriores. Cada um dos bancos de publicação - Pubmed, Google Scholar, CAPES, LILAC, Embase, entre outros têm suas peculiaridades, mas, em geral, seguem princípios comuns que abordaremos aqui.

 Um caso clínico como o nosso abrange diversos fatores que singularizam a situação do paciente, desde sua doença atual, comorbidades , à sua própria idade. De forma a tomar todos esses aspectos em consideração ao buscar publicações, é importante estruturar a pergunta de pesquisa no formato PICO. Vamos perguntar quem é nossa Paciente (P), nossa Intervenção (I), nosso Controle (C) e nosso desfecho ou Outcome (O):

 

“Em pacientes com insuficiência cardíaca e fibrilação atrial (P), a utilização de Aspirina oral (I), e não Varfarina (C), diminui o risco de acidente vascular cerebral(O)?”

 

 Como a grande maioria dos bancos de publicação são de língua inglesa, convém traduzir nossa proposição ao inglês desde já:

 

“In patients with heart failure and atrial fibrillation (P), does the use of Aspirin (I), instead of Warfarin (C), reduce risk of stroke (O)?”

 

 Uma pergunta PICO bem estruturada já pode te apontar artigos bons. De fato, se pesquisarmos a frase acima no Google Scholar, encontramos publicações acerca do tópico. O problema é que esse tipo de pesquisa “bruta” gera resultados inespecíficos: 18 mil publicações foram encontradas por esse método, a grande maioria das quais não é muito relevante para nós.

 Isso acontece porque, quando pesquisamos uma frase sem aspas, os bancos de publicação automaticamente separam as palavras e fazem uma pesquisa geral que engloba todos os termos em todos os campos dos artigos, incluindo publicações que só tangenciam o tema e usam uma ou outra palavra contida em nossa frase. 

Se desejamos receber artigos mais específicos, temos que fazer perguntas mais específicas e, para tal, extraímos palavras-chave e utilizamos operadores booleanos.

 

Palavras-chave ou Keywords

 Em nossa frase PICO, há algumas palavras essenciais; palavras que, caso fossem modificadas, mudariam o sentido da pergunta. Por exemplo, se trocarmos “acidente vascular isquêmico” por “hemorragia”, teríamos uma pergunta parecida, mas com objetivos diferentes. Essas palavras são palavras-chave, ou keywords, os termos que os indexadores procuraram em seu banco de publicações para apresentar artigos que os contém.

 Em nosso caso, podemos fazer uma pequena lista desses termos, retirando os mais importantes de cada parte do formato PICO:

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#PraCegoVer: Separamos nossas palavras-chave (keywords) em blocos referentes a cada parte da pergunta PICO.

 

 Como são essas as palavras que irão guiar nossa pesquisa, é importante que as escolhamos com muito cuidado e, sobretudo, procuremos sinônimos e jargões que possam ser utilizados para descrever o mesmo fenômeno. Para tal, podemos consultar tesauros que reúnem milhares de palavras-chave, como o MeSH

 

Por exemplo, se pesquisarmos sinônimos de “Stroke”, 

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#PraCegoVer: No site MeSH do NIH, pesquisamos a palavra “Stroke” na caixa de pesquisa

 

MeSH nos informa as seguintes variações:

 

“Stroke; Stroke, Lacunar; Heat Stroke; Stroke Volume; Hemorrhagic Stroke; Embolic Stroke; Thrombotic Stroke; Ischemic Stroke; Stroke Rehabilitation; Infarction, Posterior Cerebral Artery;  Infarction, Middle Cerebral Artery…”

 

 Perceba que todos esses termos se referem a AVC, porém diferentes formas de AVC. Assim, quando escolhemos bem nossas palavras-chave já estamos restringindo a pesquisa. Afinal, utilizar simplesmente “Stroke” é diferente de utilizar “Thrombotic Stroke”. Ao incluir “Thrombotic Stroke” já estamos especificando a busca, pois “Thrombotic” é um tipo específico de AVC, o acidente vascular isquêmico. Analogamente, se estivermos pesquisando sobre terapias com antibiótico para tuberculose, convém utilizar “antibioticoterapia” em vez de apenas “antibiótico”, pois desde já estaremos restringindo nossa busca à especificidade que queremos: os antibióticos no contexto de terapia para tuberculose.

 

 Para publicações nacionais, o sistema DeCS (Descritores em Ciências da Saúde)da Biblioteca Virtual em Saúde (BVS), funciona exatamente como o MeSH, mas com termos em português, espanhol ou francês e é relacionado com o banco de publicações da BVS.

A depender de como relacionamos Keywords com os operadores booleanos podemos expandir ou diminuir o escopo da pesquisa:

 

Quando relacionamos com “OR” expandimos a busca,

Quando relacionamos com “AND” especificamos a busca


Isso acontece porque “OR” (OU) é um operador de adição, estamos adicionando a quantidade de publicações com qualquer um dos termos que escolhemos. Entraremos a fundo nesse tópico na seção seguinte. 

 

 Atenção! Caso sua palavra-chave seja composta por duas ou mais palavras, como em “Throbotic stroke”,”Diabetes mellitus” ou “Colon Cancer”, é crucial utilizar aspas “” ao fazer a pesquisa. O indexador interpreta Colon Cancer, sem as aspas, é interpretado como (Colon OR Cancer), ou seja, você receberá artigos que contém tanto a palavra câncer quando a palavra Colon. Já quando usamos “Colon Cancer”, com aspas, o indexador entende como uma só palavra-chave e só nos apresenta os artigos que contém “Colon Cancer”, nesta ordem.

 

Operadores Booleanos
Os operadores são termos que relacionam diferentes conjuntos. Para nossos fins de pesquisa, eles se resumem a “OR”, “AND” e “NOT”. Nós usaremos os operadores booleanos tanto para relação de termos dentro de uma classificação PICO (diferentes termos dentro da mesma classificação), quanto para relação entre as classificações (entre Paciente e Intervenção, por exemplo).

 Digamos que, dentro da classificação para paciente, estamos relacionando as palavras-chave “Heart Failure” e “Atrial Fibrillation” - cada uma delas descreve um conjunto de artigos que as contém, alguns contém apenas a keyword “Heart Failure”, outros contém “Atrial Fibrillation” e ainda outros contém ambas. Os operadores booleanos nos permitem escolher quais desses conjuntos de artigos queremos incluir em nossa busca:

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#PraCegoVer: Os conjuntos de artigos com determinada palavra podem ser entendidos como diagramas de Venn, onde o operador AND descreve a interseção entre dois conjuntos, especificando a busca e o operador OR descreve tanto a interseção quanto ambos os conjuntos, ampliando a busca.

 

 Quando estamos relacionando palavras-chave de uma mesma letra PICO ou sinônimas,  utilizamos o operador OR. Esse operador amplifica o escopo da busca. Já o operador “AND” especifica nossa busca, delimitando apenas artigos que contém todas as palavras escolhidas

 Queremos relacionar os termos referentes às categorias PICO, paciente, intervenção, controle e desfecho. Então, faremos “blocos” delimitados por parênteses que delimitarão os termos de cada uma dessas classificações:

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 #PraCegoVer: em nossa busca modelo PICO, cada uma de nossas palavras-chave estão organizadas por categoria:  (“Heart Failure” OR “Atrial Fibrillation”) AND (“Aspirin”) AND (“Warfarin”) AND (“Stroke” OR “Embolic Stroke”).

 

Note que dentro de cada bloco, utilizamos os operadores “OR” e, entre os blocos, utilizamos os operadores “AND”.

Estrutura dos termos (sufixos e truncação)

 Além de blocos e operadores booleanos, também podemos refinar a busca usando sufixos e derivação, também conhecido como “truncação”. 

Derivação

 Considere a palavra Brasil - existem várias outras palavras que a utilizam como radical: brasileiro, brasileira, brasilidade… Se nós quiséssemos incluir todos esses termos que derivam de uma mesma palavra, não precisaríamos escrever uma por uma:

Podemos escrever o radical, nesse caso, Brasil, mais um asterisco: Brasil

 Pesquisar “Diabet*” é a mesma coisa que pesquisar Diabetes, Diabético, Diabética e Diabéticos; pesquisar “apend*” também pesquisa por “apendicite” e “apendectomia”, entre outros.

 

Filtros

 Já os filtros, que podem ser prefixos ou sufixos em diferentes sites, determinam outros fatores relacionados aos termos. Com os filtros podemos especificar datas de publicação, autores, idiomas, revistas, e até mesmo onde, nos artigos, o indexador deve procurar pelas palavras-chave.

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 #PraCegoVer: Pubmed e Cochrane utilizam a sequência “termo+sufixo”, ex: “Aspirin”[ti], enquanto BVS e LILACS utilizam “prefixo+termo”, ex: ti:”Aspirin”.

 

 Por exemplo, podemos especificar a busca pelas palavras-chave no título dos artigos utilizando (TERMO)[ti], no pubmed, e ti:(TERMO), na BVS. Se pesquisarmos “Heart Failure”[ti], apenas artigos que contém “Heart Failure” em seu título serão escolhidos. Se quisermos expandir mais, o pubmed contém o sufixo [tiab] que analisa o título e o resumo (abstract)dos artigos.

 Também podemos especificar a data de publicação utilizando (ano/mês/dia)[dp], no pubmed, e da:(ano), na BVS. Assim como termos, também podemos utilizar o asterisco para anos; 202* inclui publicações a partir de 2020, por exemplo.

Para mais filtros, acesse a tabela da BVS ou guia do pubmed.

 

Alguns outros sites de busca, como o Google Scholar e o CAPES, não utilizam os filtros juntamente à pesquisa, mas possuem opções de busca que atuam como filtros:

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#PraCegoVer: No Google Scholar, podemos utilizar pesquisa avançada para aplicar os mesmos filtros que os sufixos no pubmed; no CAPES, esses filtros se encontram à direita e ao lado da barra de pesquisa.

 

Pondo em prática

 Retornemos à nossa questão clínica, “In patients with heart failure and atrial fibrillation (P), does the use of Aspirin (I), instead of Warfarin (C), reduce risk of stroke (O)?”

 Realizando a pergunta no Google Scholar, recebemos mais de 20 mil resultados. Munidos das estratégias acima, podemos, agora, começar a afunilar a pesquisa, restringindo o escopo da busca aos tópicos que desejamos.

Começamos listando as palavras-chave em ordem PICO:

“Heart Failure”, “Atrial Fibrillation”, Aspirin, Warfarin, Stroke, “Thrombotic Stroke”

Organizamos as relações entre os termos, organizando os “blocos” entre parênteses:

(“Heart Failure”, “Atrial Fibrillation”),(Aspirin), (Warfarin), (Stroke, “Thrombotic Stroke”)

Adicionamos operadores booleanos:

(“Heart Failure” OR “Atrial Fibrillation”) AND (Aspirin) AND (Warfarin) AND (Stroke OR “Thrombotic Stroke”)

 Já podemos fazer uma pesquisa preliminar com essa pergunta, mas ainda sim percebemos  que nosso escopo está grande; mais de 1.184 resultados. Por isso, podemos optar por incluir filtros especificadores, nesse caso, vamos especificar o local em que o indexador procurará os keywords:

("Heart Failure"[ti] OR "Atrial Fibrillation"[ti]) AND (Aspirin[ti]) AND (Warfarin[ti]) AND (Stroke OR "Thrombotic Stroke")

 Finalmente, utilizando os especificadores, reduzimos nossa pesquisa a 91 artigos selecionados que tenderão a ser muito mais pertinentes à nossa busca que os mais de mil que encontramos inicialmente. Podemos refazer a busca, modificando os filtros, retirando alguns e adicionando outros para receber diferentes resultados. 

 Com os artigos obtidos, também podemos utilizar as referências listadas pelos autores como mais sugestões de leitura, seguindo a rede de citações de publicação a publicação, uma técnica muito utilizada para revisões sistemáticas (que não é nosso foco aqui).

 

 A partir da seleção final, é imprescindível analisar criticamente as publicações selecionadas. Mesmo artigos publicados em periódicos de renome são suscetíveis a erros sistêmicos e não podemos chegar a uma conclusão definitiva sobre um tópico com apenas um estudo. A análise crítica é um componente crucial da MBE e é um tema grande demais para abordar aqui. No entanto, a LAC dispõe de inúmeros vídeos, podcasts e posts sobre como realizar essa parte tão importante da pesquisa científica. 

 

Links de interesse

Bancos de publicação internacionais:

Bancos nacionais:

 

Referências:

Bibliography BIREME. Sobre o DeCS – DeCS. Disponível em: <https://decs.bvsalud.org/sobre-o-decs/>. Acesso em: 23 jun. 2023. 

BIREME. Tutorial de pesquisa na BVS. 2021. Disponível em: <https://bvsalud.org/searchtutorial/documents/BIREME-OMS-PT-Aula_2-Tutorial_de_Pesquisa.pdf>. Acesso em: 23 jun. 2023.

CAPES. Portal .periodicos. CAPES - Quem somos. Disponível em: <https://www-periodicos-capes-gov-br.ezl.periodicos.capes.gov.br/index.php/sobre/quem-somos.html>. Acesso em: 21 jun. 2023. 

COLUMBIA UNIVERSITY. Understanding MeSH terms and navigating the MeSH database | Augustus C. Long Health Sciences Library. Disponível em: <https://library.cumc.columbia.edu/kb/understanding-mesh-terms-and-navigating-mesh>. Acesso em: 21 jun. 2023.

NIH. Help. Disponível em: <https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/help/#help-filters>. Acesso em: 23 jun. 2023.

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