Admirável Universo Novo

 Em setembro de 1989, o Hubble nem havia sido lançado, mas o Instituto de Ciências de Telescópios Espaciais (STScl) já planejava a próxima grande missão depois dele. Mais de 30 anos e 10 bilhões de dólares depois, o telescópio espacial James Webb está pronto, e será lançado no dia 18 de dezembro. O que podemos esperar dele?

 

 

Para orientar a sua leitura, dividi o texto nos tópicos:

 

 

  1. Introdução
  2. Vendo mais longe e de volta no tempo
  3. O início do Universo
  4. Exoplanetas e os instrumentos para vê-los
  5. Problemas e soluções

 

1- Introdução:

 

     Desde os anos 90, o telescópio espacial Hubble é o telescópio mais importante do mundo. Ele permitiu descobertas incríveis, tendo seus dados usados em mais de 16 mil trabalhos científicos e nos brindando com imagens incríveis, como a dos Pilares da Criação:

 

Figura 1: Pilares da Criação

IM1.png

Fonte: NASA

#PraCegoVer: Fotografia tirada pelo Telescópio Hubble, mostrando no primeiro plano um aglomerado de poeira e gás marrom apelidado de "pilares da criação" devido ao seu formato singular, que lembra três pilares, com um fundo azul e várias estrelas vermelhas.

 

 

Porém o Hubble já é um veterano, e agora chegou o momento do mais novo telescópio espacial: o James Webb (JWST), que é 100 vezes mais sensível que o Hubble e possui um espelho 6.25 vezes maior, o que representa um grande salto tecnológico em relação ao nosso velho amigo.

 

Figura 2: Comparação entre um ser humano, o espelho do Hubble e os espelho do James Webb

IM2.png

Fonte: NASA

#PraCegoVer: boneco cinza em formato de humano apoiado em um disco de metal um pouco maior que ele, ao lado de uma composição de 18 hexágonos com quase o triplo da sua altura.

 

2- Vendo mais longe e de volta no tempo:

 

Com todo esse tamanho, o James Webb poderá ver mais longe do que jamais vimos. Contudo, quando se trata de espaço, ver mais longe também significa ver mais no passado. Não entendeu? Vou explicar.

 

Pois bem, os telescópios captam luz. E a luz, como talvez você lembre das aulas do Ensino Médio, tem uma velocidade muito alta, porém finita. E o que acontece quando a luz precisa atravessar uma distância muito longa? Ela demora para chegar. Talvez um exemplo ajude.

 

Suponhamos que você está olhando para o céu e veja uma estrela, e essa estrela está muito distante, tão distante que a luz demora 200 anos para chegar até você. O que você estará vendo não é a luz que a estrela está emitindo naquele momento, mas a que ela emitiu 200 anos atrás. Portanto, você está vendo como aquela estrela era no passado.

 

O James Webb também olhará para o céu, mas ele verá objetos muito mais distantes e, portanto, antigos, tão antigos que datam próximo do início do Universo, que ocorreu há cerca de 13,8 bilhões de anos

 

Para isso, ele é equipado com sensores de infravermelho (uma das diferenças para o Hubble, que capta principalmente luz visível e ultravioleta). Isso é especialmente importante quando se trata de ver objetos distantes, por conta de um fenômeno chamado redshifting, ou desvio para o vermelho, que faz com que a luz de objetos distantes se torne avermelhada.

 

#Nerdice: O fenômeno de desvio para o vermelho é similar ao Efeito Doppler, porém tem uma causa diferente. Enquanto o Efeito Doppler é causado pelo movimento dos objetos, o desvio para o vermelho é causado pela expansão do Universo, que “estica” as ondas após sua emissão. Portanto, a luz de um objeto distante que chega em nós tem um comprimento de onda maior que a luz que foi emitida e, portanto, uma frequência menor, característica do vermelho. 

 

Figura 3: Representação do desvio para o vermelho (redshift)

IM3.png

Fonte: ThoughtCo.

#PraCegoVer: dois balões, um pequeno com listras amarelas e um grande com listras vermelhas, mostrando o desvio para o vermelho ao longo do tempo.

 

Uma outra característica importante do infravermelho é a capacidade de atravessar a poeira cósmica que existe no Universo, enquanto a luz visível fica pelo caminho. Como exemplo, observe a imagem dos Pilares da Criação, à esquerda visto principalmente pela luz visível e à direita por infravermelho, e repare que a quantidade de estrelas da imagem da direita é bem maior:

 

Figura 4: Comparação dos Pilares da Criação vistos por luz visível e por infravermelho

IM4.png

 

Fonte: ESA

#PraCegoVer: à esquerda, a mesma foto dos Pilares da Criação do início do texto, à direita uma foto semelhante, porém com menos poeira e uma quantidade de estrelas muito maior.

 

3- O início do Universo:

 

“Já entendi que ele verá coisas velhas, mas por que isso importa?”

 

O James Webb verá como os objetos eram quando o Universo começou, como as primeiras estrelas e as primeiras galáxias. Isso nos ajudará a entender melhor a formação do Universo e a chegar mais perto de responder a pergunta “de onde viemos?”.

 

#Nerdice: Nas primeiras centenas de milhões de anos, o Universo viveu um período que ficou conhecido como “Idade das Trevas”, no qual a luz ficava presa por uma nuvem de hidrogênio neutro. Como a luz não conseguia sair dos seus arredores, nós não podemos captá-la. No entanto, por motivos ainda não muito bem esclarecidos, o Universo começou a brilhar, com a formação de estrelas e galáxias. Estudar a formação dessas primeiras fontes de luz que conseguimos captar pode ser a chave para compreender o que aconteceu nesse período de escuridão. O James Webb fará justamente isso ao detectar a luz infravermelha que foi emitida por esses objetos.

 

Figura 5: Imagem mostrando até onde o James Webb (WTST) poderá ver

 

IM5.png

Fonte: NASA

#PraCegoVer: um diagrama azul mostrando a cronologia do Universo, com uma seta indicando que o JWST pode ver até próximo da “Idade das Trevas”.

 

4- Exoplanetas e os instrumentos para vê-los:

 

“Só isso?”

 

Se você achou pouco, espere que tem mais. Esse telescópio será muito importante na observação de exoplanetas (planetas que orbitam outras estrelas que não o Sol), podendo analisar o seu tamanho, massa, composição e temperatura, o que nos dará uma noção melhor da possibilidade da existência de vida como a conhecemos em outros planetas.

 

#Nerdice: O James Webb será capaz de fazer isso utilizando diversos instrumentos, que incluem: 

Uma câmera de infravermelho próximo (NIRCAM), que é o principal instrumento do JWST, para captar comprimentos de onda muito curtos (0.6 a 5 micrômetros). Essa câmera possui um coronógrafo, que serve para bloquear a luz de objetos muito brilhantes para ver outros com menos brilho. Por exemplo, analisar um planeta (pouco brilhante) ao lado de uma estrela (muito brilhante).

Um espectrógrafo de vermelho próximo (NIRSPEC), que opera na mesma faixa da NIRCAM e é usado para dispersar a luz de um objeto (a lá Pink Floyd) e descobrir detalhes dele, como os já citados. Esse equipamento é capaz de observar até 100 objetos ao mesmo tempo.

O instrumento de infravermelho médio, que faz a mesma coisa que a NIRCAM e o NIRSPEC, mas para comprimentos de onda maiores (5 a 28 micrômetros).

 

5- Problemas e soluções:

Nem tudo são flores na vida desse telescópio, que passou por diversos problemas na sua construção, desde ligá-lo na tomada errada até cair parafuso e porcas durante um teste, sendo que um dos mais sérios foi com o seu escudo solar, que rasgou durante um teste de abertura.

 

“Peraí, escudo solar, abertura? Você não falou nada disso antes.”

 

Por ser um telescópio que capta radiação infravermelha, que pode ser entendida como ondas de calor, ele precisa ficar extremamente frio (-233°C, ou 40K, se você preferir medir do jeito nerd), caso contrário ele captaria a radiação que ele mesmo está emitindo. Não é fácil deixar um objeto tão frio, e foram usadas duas estratégias principais: colocar um escudo solar gigante e mandá-lo para bem longe da Terra.

 

A primeira conta com um escudo que é composto de cinco camadas e tem o tamanho de uma quadra de tênis. Enquanto o lado que está o telescópio chega nessas temperaturas bem baixas, o que está virado para o Sol pode atingir 100°C. 

 

Já a segunda seria colocá-lo longe da Terra, mais precisamente a 1,5 milhão de quilômetros do nosso planeta. O porém é que isso é 4 vezes mais longe que a Lua, ou seja, não tem como enviar astronautas para consertar se der algum problema (coisa que foi feita com o Hubble diversas vezes). Essa é uma das razões para o nervosismo envolto do lançamento deste satélite, já que, se algo der errado, serão décadas de trabalho e 10 bilhões de dólares jogados fora. 

 

Figura 6: Comparação da distância do James Webb com o Lua e o Hubble

IM6.png

Fonte: NASA

#PraCegoVer: à esquerda, o planeta Terra com o telescópio Hubble e a Lua ao redor. À direita, o telescópio James Webb.

 

#Nerdice: O ponto no qual o James Webb ficará é chamado de Lagrange 2, que é um dos cinco pontos nos quais a gravidade da Terra e a do Sol se equilibram. Isso tem como consequência um menor gasto de combustível para manter a órbita. Além disso, o ponto 2 tem como vantagem o fato de um objeto lá colocado ter uma velocidade angular igual à da Terra, ou seja, eles se mantêm a uma distância com pequena variação um do outro durante o movimento em suas órbitas.

 

 

Figura 7: Os cinco pontos de Lagrange

IM7.png

Fonte: NASA

#PraCegoVer: Representação do Sol e da Terra, com um círculo onde seria a órbita, e 5 pontos, sendo L1 entre a Terra e o Sol, L2 depois da Terra, em uma linha reta com o Sol, L3 do lado oposto à Terra no mesmo círculo, L4 e L5 sendo outros dois pontos no círculo, entre o Sol e a Terra.

 

Já sobre a questão da abertura, o James Webb precisou ser dobrado para caber no Ariane 5  (foguete que o levará) porque simplesmente não existe foguete capaz de levar um objeto do tamanho dele aberto. Isso gera diversos desafios de engenharia, pois ele terá que se desdobrar sozinho no espaço, em um processo com mais de 100 etapas. 

 

Figura 8: James Webb dobrado

IM8.png

Fonte: UOL

#PraCegoVer: Um retângulo preto na vertical, com hexágonos amarelos dos lados e duas faixas marrons, cerca de cinco vezes maior que os dois cientistas vestidos de branco que o analisam.

 

Se você leu até aqui é porque se interessou pelo assunto. Então que tal assistir ao lançamento e participar desse momento histórico? Ele ocorrerá no dia 18 de dezembro (se não adiarem de novo) e será transmitindo ao vivo por diversos meios, sendo um deles o canal do YouTube Space Today. Anote na sua agenda!

 

Referências:

Cosmological Redshift Cosmos. Acesso em: 17/10/2021. Disponível em: https://astronomy.swin.edu.au/cosmos/c/cosmological+redshift 

How old is the Universe? Space.com. Acesso em: 17/10/2021. Disponível em: https://www.space.com/24054-how-old-is-the-universe.html 

Hubble 30 anos: instrumento científico é um dos mais importantes da história da humanidade. Olhar digital. Acesso em: 17/10/2021. Disponível em: https://olhardigital.com.br/especial/hubble-30-anos/

JWST suffers new problem during spacecraft testing Space News. Acesso em: 19/10/2021. Disponível em: https://spacenews.com/jwst-suffers-new-problem-during-spacecraft-testing/ 

Soares, Domingos Telescópio Espacial James Webb. Acesso em: 19/10/2021. Disponível em: http://lilith.fisica.ufmg.br/~dsoares/extn/adou/21/adou30.htm  

The Beginning to the End of the Universe: The cosmic dark ages. Astronomy. Acesso em: 19/10/2021. Disponível em: https://astronomy.com/magazine/news/2021/01/the-beginning-to-the-end-of-the-universe-the-cosmic-dark-ages 

The James Webb Space Telescope Instruments NASA. Acesso em: 19/10/2021. Disponível em: https://www.nasa.gov/mission_pages/webb/instruments/index.html 

Webb vs Hubble Telescope. NASA. Acesso em: 17/10/2021. Disponível em: https://www.jwst.nasa.gov/content/about/comparisonWebbVsHubble.html#firstgalaxies

0 Comentários

Deixe um comentário